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Uso Nocivo de Álcool e Outras Drogas: Desafio para a Sociedade Brasileira

Dr. Mario Sérgio Sobrinho faça sobre Uso Nocivo de Álcool e Outras Drogas: Desafio para a Sociedade Brasileira

O uso nocivo de álcool e outras drogas é tema que, frequentemente, a sociedade brasileira discute, mas por sua amplitude e complexidade, também, é assunto que retorna ao debate em razão da profundidade das suas causas e da severidade dos seus efeitos, além de exigir abordagem sistemática e contínua.

A legislação brasileira cuida da questão das drogas, propondo ações de prevenção, tratamento e reinserção social que são exigidas dos entes federados cuja execução requer suporte social e comunitário. Referidas ações devem ser realizadas pelos organismos das áreas da saúde, educação, trabalho, assistência social, previdência social, habitação, cultura, desporto e lazer visando prevenir o uso de drogas, atenção e reinserção social dos usuários ou dependentes dessas substâncias. A dimensão do problema exige que as lideranças governamentais promovam esforços para que o consumo da droga seja por todos enfrentado, mas com respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana, especialmente quanto à sua autonomia e à sua liberdade, observando os demais princípios do Sistema Nacional de Drogas de Políticas Públicas sobre Drogas (SISNAD), tratado pelo artigo 4º da Lei nº 11.343/2006, legislação cujo texto sofreu alterações trazidas pela Lei nº 13.840/2019.

Se de um lado o uso de drogas pode e deve ser focalizado pelo governo e pela sociedade, de outro lado, quando se trata de enxergar os custos e os efeitos específicos do abuso do álcool, droga de maior prevalência de consumo se comparada às demais, o Estado e a sociedade brasileira carecem desenvolver estratégias e, principalmente, realizar ações eficazes para lidar com essa situação.

Ao tratar do uso abusivo do álcool e dos problemas de saúde por ele gerados, normalmente, se imagina suficiente dispor à população recursos médicos e hospitalares, os quais são necessários para cuidar dos quadros graves de abalo da saúde física e mental que o uso problemático do álcool é capaz de causar.

Entretanto, o que será discutido nestas breves linhas é o modo como a sociedade brasileira pode enfrentar o problema do abuso do álcool antes que a situação venha desencadear deletérios efeitos na seara individual, familiar e social a demandar intervenção especializada da área de saúde, destacando ser necessário controlar o abuso e prevenir o uso nocivo do álcool.

A sustentar essa ideia, há evidências científicas extraídas de estudo de longa duração que tratou do consumo e dos efeitos do álcool em 195 países, denominado “Alcohol use and burden for 195 countries and territories, 1990–2016: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2016 (1)”. Referido estudo apontou que as políticas de controle de álcool precisam ser revisadas em todo o mundo, sugerindo esforços para reduzir o nível de consumo geral dessa substância pela população.

Para isso é preciso considerar como ponto de partida ser o consumo de álcool no Brasil um problema de saúde pública com reflexos na vida das pessoas e das famílias. Além da saúde, há diversos outros serviços e entes impactados. Profissionais da área da assistência social, segurança pública e justiça, geralmente, podem descrever situações por eles conhecidas durante o exercício laboral que geraram mortes, lesões graves e prejuízos diversos cujo fator determinante ou ao menos coadjuvante para tais ocorrências esteve ligado ao uso nocivo do álcool.

No campo da saúde e observando os efeitos causados pelo álcool nas vítimas, posição em um litígio que qualquer pessoa pode ocupar, sob a coordenação da médica especialista em traumatismo raquimedular Júlia Maria D’Andréa (2) e financiado pela FAPESP, o Brasil desenvolveu pesquisa apontando que o álcool, substância lícita e barata, amplia o número de casos de violência em geral, considerando traumatismos e mortes em acidentes e agressões. Referido estudo analisou atendimentos no Pronto-Socorro do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e apresentou dados significativos que podem servir como fundamento para adoção de políticas e estratégias públicas para o controle do álcool, ao indicar que 46% das vítimas de agressão estavam sob efeito de doses excessivas de álcool, assim como 24% das vítimas do trânsito e 20% das vítimas de quedas, apontando, ainda, que 14% dos acidentados ou agredidos haviam usado maconha, cocaína ou anfetaminas poucas horas antes do evento.

É comum que os resultados danosos influenciados pelo álcool sejam considerados como lamentáveis infortúnios, embora pudessem ser evitados se adotadas práticas consistentes de prevenção ambiental ao uso nocivo dessa substância pelos órgãos públicos, nos diversos níveis federal, estadual, distrital e municipal, embalados pela pressão da sociedade. Essas práticas, além de prevenir o abuso de álcool, exigem regulamentar a oferta e fiscalizar o consumo em ambientes públicos e abertos ao público nos quais o álcool é oferecido. Proibir a entrega indevida de álcool às crianças e aos adolescentes e, também, educar, desestimular e responsabilizar pelos riscos e eventuais danos os casos de consumo excessivo dessa substância entre jovens e adultos são práticas desejáveis de prevenção ambiental.

Oferecer álcool em pontos de venda situadas em locais cujo consumo é arriscado, como ocorre ao se tolerar vender bebida alcoólica em postos de abastecimento de combustível e outros ambientes frequentado por motoristas, como estacionamentos e lojas de reparos de automóveis, estimula que os motoristas deixem esses locais sob efeito de álcool, não importando poderem ser fiscalizados pelos excessos do beber e dirigir, porque não é imaginável que para cada motorista que passe por um local desse tipo e consuma álcool exista um fiscal pronto para flagrá-lo.

Permitir ou tolerar a venda do álcool em áreas com intensa movimentação e aglomeração de pessoas, como estádios de futebol ou ambientes em que ocorrem grandes reuniões populares abertas, como os locais da realização das legítimas manifestações democráticas, também, pode ser tão danoso quanto tolerar que algum motorista incapaz pelo abuso do álcool conduza seu veículo por vias movimentadas.

Desenvolver estratégias para implantar ações de prevenção ambiental requer uma sociedade consciente e mobilizada que exija dos detentores do poder de regulamentação criação de normas para tal fim, desde manter e fiscalizar a proibição do álcool para crianças e adolescentes, até a alocação de recursos orçamentários suficientes para que a fiscalização atue de modo regular e eficaz em ambientes de risco promovendo o respeito às normas.

A professora e pesquisadora Zila Sanchez (3), da Unifesp, afirma que as estratégias outrora empregadas para prevenção do tabaco no Brasil, tais como não vender para menores de idade, controlar as vendas e taxar com rigor, controlar a propaganda na mídia e em pontos de venda, entre outras, seriam muito bem-vindas para reduzir os efeitos danosos do álcool.

Quem detém o poder é a autoridade e essa autoridade está disseminada na sociedade, no exercício da atividade privada e pública, podendo ser observada nas relações amorosas envolvendo pais e filhos, no contato profissional entre patrões e empregados e no trato respeitoso entre governantes eleitos e cidadãos. Quem detém e explora o mercado do álcool não pode decidir sozinho para quem, de qual modo e em qual local irá vender o seu produto somente considerando que o consumidor pode pagar o preço, mas deve, sempre, observar as normas e respeitar os limites legais. A livre iniciativa deve ser incansavelmente preservada, entretanto em favor do bem comum, o Estado deve fixar uma regulação mínima e clara para que a distribuição e a venda do álcool, que é droga causadora de conhecidos danos à saúde, obedeça a critérios e padrões compatíveis ao risco do seu consumo mantendo o ambiente saudável.

Há exemplos animadores no mundo, como ocorre na Rússia (4). Considerada uma das nações que mais consome álcool no mundo, lá foi registrado um caso de sucesso a ser seguido pelo emprego de estratégias de longo prazo, com uso de rigorosas reformas políticas no campo da produção do álcool e do consumo individual que foram capazes de reverter os efeitos devastadores dessa substância nesse país, tanto que em 2018 a expectativa de vida do povo russo atingiu pico histórico alcançando quase 68 anos de idade para homens e 78 anos para mulheres, conforme relatório da OMS que examinou os efeitos das medidas de controle do álcool sobre mortalidade e expectativa de vida na Rússia.

O Brasil é, reiteradamente, citado como um dos países nos quais a desigualdade e a exclusão social são intensas e se sabe que para reduzir essas mazelas é preciso oferecer educação de qualidade e gerar meios para produzir renda, porém enquanto governo e sociedade se esforçam para alcançar essas metas que permitam incluir toda a população brasileira de norte a sul do país em movimentos que ampliem a educação e o trabalho gerando bem-estar, a nação deve se organizar e usar estratégias da prevenção ambiental para enfrentar o desafio do abuso do álcool e das outras drogas.

Texto - Dr. Mário Sérgio Sobrinho

Mário Sérgio Sobrinho é palestrante e parceiro da Mobilização Freemind, procurador de Justiça do MP-SP e integrante do Movimento do Ministério Público Democrático (MPD).

Fonte: https://www.conjur.com.br/2020-jan-20/mp-debate-uso-nocivo-alcool-outras-drogas-desafio-sociedade

[1] Disponível: <https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(18)31310-2/fulltext>. Acesso em 14 dez 2019.

[2] Disponível: <https://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&cad=rja&uact=8&ved=2ahUKEwiEmIagnrXmAhV-JrkGHfvODsIQFjAAegQIAhAB&url=http%3A%2F%2Fses.sp.bvs.br%2Flildbi%2Fdocsonline%2Fget.php%3Fid%3D5089&usg=AOvVaw0dJ2KuXHpASFRTQPBBzCy3>. Acesso em 14 dez. 2019

[3] Disponível: <https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/07/1899157-mal-feita-prevencao-a-droga-pode-incentivar-o-consumo-diz-especialista.shtml>. Acesso em 14 dez. 2019.

[4] “Russia's alcohol policy: a continuing success story.” Disponível: <https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(19)32265-2/fulltext>. Acesso em 14 dez. 2019

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