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Assista à Live com Dr. Quirino Cordeiro e Dra. Maria de Fátima Padin

Shared by Livia - 7 May 2020
Originally posted by Samuel Bettiol - Issup Brasil - 7 May 2020
Assista na íntegra

No dia 23 de abril de 2020, o Freemind e a ISSUP Brasil fizeram a sua primeira Live com Especialistas” e os primeiros convidados foram o Dr. Quirino Cordeiro Junior – Secretário Nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas - e a Dra. Maria de Fátima Padin - Psicóloga e especialista em Dependência Química.

Durante cerca de 80 minutos, numa conversa muito esclarecedora com Paulo Martelli, nossos dois brilhantes especialistas responderam a sete perguntas sobre problemas e dúvidas que têm nos afligido em tempo de Coronavírus e distanciamento social.

No meio de tantas incertezas, como ficam os dependentes químicos? Com tanta ansiedade e estresse, o consumo de álcool e outras drogas tem se mantido o mesmo?

Live Dr. Quirino Cordeiro Junior

Pergunta 1: Durante a epidemia do Coronavírus precisamos continuar ofertando cuidado aos dependentes químicos, mas sempre atentando para a segurança, devido à nova condição sanitária do país. Quais as ações do governo federal voltadas ao tratamento dos dependentes químicos? Os acolhimentos nas Comunidades Terapêuticas continuam acontecendo? Como isso é feito?

Resposta: Por conta dessa necessidade de continuar com as ofertas de assistência às pessoas com dependência química no país, é preciso fazer isso com o cuidado e a segurança que o momento da pandemia exige, o governo federal então, lançou no final do mês de março, 2 normativas para orientar as CTs no acolhimento de pessoas que apresentam dependência química.

Foi lançada a Portaria nº 340, de 30/03/2020, que foi seguida por uma cartilha com orientações para as CTs. Essas duas normativas passam a dar o norteamento que as entidades precisam seguir, a partir de agora, para que possam ofertar os cuidados que a sociedade tanto precisa para a recuperação das pessoas com dependência química, mas levando sempre em consideração aspectos importantes de segurança dos acolhidos e das pessoas que trabalham nessas entidades.

Por essas normativas, as CTs são reconhecidas pelo governo federal como serviços essenciais e, por isso, podem funcionar durante esse período de pandemia, com segurança jurídica para isso.

Quanto ao acolhimento, os cuidados e o tratamento dentro das CTs, o governo federal recomenda que as pessoas não deixem de ser acolhidas durante o período de epidemia e que as pessoas que já estão acolhidas não recebam alta, permanecendo na entidade e dando continuidade em seu tratamento.

Em relação aos casos novos, é preciso levar em conta que esta pessoa está enfrentando uma transmissão comunitária podendo, desta forma, estar contaminada com o vírus. Então, a orientação que consta das normativas, é que no momento da triagem do indivíduo que será admitido, se houver alguma suspeita clínica e epidemiológica de contaminação pelo coronavírus, o mesmo não deve ser acolhido e deve ser encaminhado para uma unidade básica de saúde, para avaliação.

No caso de não haver suspeita clínica e epidemiológica, o indivíduo pode ser acolhido, desde que se observe um período mínimo de 14 dias de isolamento dentro da própria unidade, para se ter segurança de que ele não esteja contaminado. Este período de 14 dias de quarentena pode não ser cumprido apenas no caso do indivíduo ter um resultado de teste recente de PCR ou teste rápido para COVID-19 com resultado negativo.

Outro ponto importante desta portaria e da cartilha diz respeito ao convívio dos acolhidos dentro das entidades. São fornecidas orientações sobre higienização das mãos, sobre o distanciamento mínimo entre as pessoas nas atividades que são realizadas nas CTs, por exemplo. Também são contraindicadas, durante o período da pandemia, as visitas dos familiares aos acolhidos, de forma a diminuir a circulação de pessoas de fora das entidades, diminuindo, assim, a chance de alguém levar a infecção para dentro da CT.

Também são contraindicadas a realização de atividades externas com os acolhidos, como as atividades de reinserção social.

Esta semana, dando sequência ao processo de monitoramento e discussão contínua que o governo vem fazendo com as lideranças das CTs, as Federações e a Confederação de CTs, foram lançadas mais duas normativas: a partir de agora, o governo passa a monitorar as CTs no que diz respeito às ações que eles estão adotando para poder dar conta das necessidades de proteção dos acolhidos.

Existe um sistema eletrônico para a comunicação entre o Ministério da Cidadania e as CTs e a partir de agora as CTs devem informar ao Ministério as ações que estão tomando para que elas possam acolher as pessoas nesse período de epidemia.

Eventuais casos de infecção por coronavírus dentro das CTs também passam a serem monitoradas pelo Ministério.

 

Pergunta 2: O impacto econômico da Epidemia pelo Coronavírus está sendo bastante grande, afetando Empresas, Famílias, cidadãos e a sociedade como um todo. O Governo Federal tem trabalhado para minimizar o impacto da crise econômica sobre as Comunidades Terapêuticas, seus acolhidos e familiares?

Resposta: O impacto econômico e financeiro, em toda a sociedade, neste momento do enfrentamento à epidemia do coronavírus é muito grande. Infelizmente já estamos tendo reflexos muito duros advindos da epidemia e, por isso, o Governo Federal tem lançado várias iniciativas econômicas e financeiras para toda a sociedade e estamos levando essas medidas para dentro das comunidades terapêuticas.

A SENAPRED está trabalhando para levar para as CTs e seus acolhidos essas medidas que o governo federal está lançando. Por exemplo, a SENAPRED está trabalhando em cima do projeto “Arrecadação Solidária”. Este projeto foi lançado no dia 07 de abril e, apesar de não ser voltado exclusivamente para as CTs, estas estão sendo levadas a participar e se beneficiar dessa ação do governo federal. A CT que quiser participar, precisa se cadastrar no site do programa Pátria Voluntária (www.patriavoluntaria.org).

O governo e a SENAPRED estão trabalhando com 7 iniciativas junto aos acolhidos das CTs e suas famílias. O primeiro deles é o auxílio emergencial (“coronavoucher”) de R$ 600,00 está disponível para pessoas que se encontram em situação de vulnerabilidade social e econômica neste momento e o site da Caixa Econômica Federal (www.caixa.gov.br) tem todas as informações de como acessar este programa. Para os acolhidos, este é um programa muito importante pois, com este auxílio eles podem ajudar a manter suas famílias lá fora.

Outro benefício colocado à disposição dos acolhidos é o saque do FGTS. O governo Federal publicou uma Medida Provisória, no dia 07 de abril, que permite que a partir do dia 15 de junho possa ser feito o saque de R$ 1.045,00 do saldo do FGTS.

Outra possibilidade diz respeito à antecipação do décimo terceiro salário de aposentados e pensionistas do INSS que terá sua primeira parcela paga a partir do 24 de abril e a segunda parcela a partir do dia 25 de maio.

Também foi atencipado para o dia 29 de maio o saque do abono salarial do PIS/PASEP.

Os acolhidos que estão na fila do BPC também poderão sacar o valor de R$ 600,00 do auxílio emergencial e os que estão na fila do auxílio doença poderão sacar o valor de R$ 1.045,00 do FGTS, antes mesmo da decisão se o INSS será favorável ou não à concessão desses benefícios.

E por fim, pessoas que vivem em moradias onde a parcela do consumo de energia elétrica seja inferior ou igual a 200 kWh/mês terão a isenção desta conta.

Todas essas medidas do governo federal visam evitar um impacto muito grande devido à epidemia do coronavírus e tanto as CTs quanto seus acolhidos e familiares têm direito a acessar esses benefícios e a SENAPRED está trabalhando junto às Federações, às CTs e suas lideranças, para que todos possam ter acesso a esses benefícios.

 

Pergunta 3: As ações de Reinserção Social precisam ser contínuas. Como a SENAPRED está trabalhando para dar sequência a essas ações com os pacientes acolhidos nas Comunidades Terapêuticas?

Resposta: Esta epidemia é um problema extremamente complexo e, por isso, as ações de enfrentamento a ela também são complexas e buscam dar conta de todas as necessidades que esta questão traz à sociedade.

Precisamos de ações para diminuir a infecção pelo coronavírus na sociedade, ações de cuidados com os infectados buscando diminuir a taxa de mortalidade, ações de suporte econômico e financeiro para toda a sociedade e, em especial, para os mais vulneráveis. Também é necessário dar continuidade às políticas públicas vigentes como, por exemplo, a política pública de cuidado às pessoas que apresentam a dependência química e é fundamental trabalhar para proteger a economia do país. É assim que o governo Federal e a SENAPRED estão trabalhando para o enfrentamento desta epidemia.

Quanto à reinserção social, a SENAPRED iniciou no ano passado duas ações muito importantes: a primeira é dar acesso aos acolhidos nas CTs ao programa “Progredir” (que permite que os acolhidos tenham capacitação a distância para o trabalho).

A outra ação, decorrente de um acordo entre o governo, as CTs e a Confederação Nacional de Jovens Empresários (CONAJE) é o programa “Brasil Empreendedor”. Este programa oferece capacitação aos acolhidos, por meio do CONAJE, com o objetivo de ajuda-los a abrir o seu próprio negócio. São negócios de baixo custo e os profissionais da CONAJE, além de darem a capacitação, ajudam os acolhidos a abrirem seus próprios negócios e os acompanham depois da alta no processo de manutenção de seus negócios.

Como a capacitação pelo projeto “Brasil Empreendedor” são presenciais, isto ficou prejudicado com a epidemia de coronavírus e, por isso, a partir do dia 27 de abril, a capacitação para o empreendedorismo será feita à distância, para que seja possível aos acolhidos a chance de sua reinserção social.

É muito importante lembrarmos que o processo de recuperação dos dependentes químicos passa necessariamente pela reinserção social, sobretudo aquela que é feita pelo trabalho e pela capacitação para o trabalho e/ou para o empreendedorismo e, por isso, é preciso dar muita importância para este tipo de ação.

 

Pergunta 4: Este é um momento tão incerto, onde estamos aprendendo e reaprendendo tantas coisas. Para fecharmos, gostaríamos que o senhor falasse um pouco sobre o planejamento de algumas ações futuras que a SENAPRED está preparando para 2020.

Resposta: A SENAPRED – Secretaria Nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas – é uma secretaria nova dentro do governo federal (criada no início de 2019). As competências das ações de enfrentamento às drogas foram divididas dentro do governo federal entre o Ministério da Justiça e Segurança Pública com a SENAD (Secretária Nacional de Políticas sobre Drogas), que ficou responsável pelas ações de redução da oferta e repressão ao tráfico e o Ministério da Cidadania com a SENAPRED que ficou com a responsabilidade pelas ações de redução da demanda, de cuidados, tratamento e reinserção social.

Temos buscado nos aproximar muito das entidades da sociedade civil. Nós temos uma clareza total de que o problema das drogas é um problema tão complexo quanto esta epidemia de coronavírus. Várias frentes precisam ser trabalhadas, desde a repressão até as de redução da demanda que são fundamentais para que consigamos obter sucesso nessa luta e esse sucesso só será possível se trabalharmos unidos, estreitando parcerias entre as várias instâncias governamentais e a sociedade civil.

Um exemplo deste tipo de ação para reunir todas as instâncias dos poderes federal, estadual e municipal é a criação da “Comissão Intergestores Bipartite” para intensificar o diálogo entre esses gestores, pois não é possível criar, executar e monitorar políticas públicas sem a participação de todas as instâncias de governo.

Além disso, estamos trabalhando de maneira intensa na articulação com a sociedade civil. Hoje temos parcerias com as CTs, com entidades que trabalham com grupos de mútua ajuda e de apoio familiar na recuperação de pessoas com dependência química e na prevenção ao uso de drogas como, por exemplo, Amor-Exigente, Pastoral da Sobriedade, Cruz Azul no Brasil e Grupo Esperança Viva da Fazenda da Esperança.

No ano passado, a SENAPRED se aproximou e está trabalhando em cooperação com os grupos anônimos, como Alcoólicos Anônimos, Narcóticos Anônimos, AL-ANON, NAR-ANON, que são grupos que desenvolvem um trabalho extremamente importante.

Com as universidades temos em andamento dois projetos de pesquisa epidemiológica: um em parceria com a Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP e o outro com a Universidade de Brasilia – UnB.

Temos ainda um projeto de capacitação para profissionais de CTs, o projecto CoMPaCTa, em parceria com a Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC.

No final do ano passado também, fechamos um Acordo de Cooperação Técnica com o Capitulo Nacional da ISSUP no Brasil, uma parceria importante para tratarmos principalmente projetos de prevenção ao uso de álcool e drogas

Firmamos também um acordo de cooperação com a Associação Brasileira de Psiquiatria e estamos trabalhando de maneira muito próxima com o CFM – Conselho Federal de Medicina e com outros poderes da República como, por exemplo, o Congresso Nacional onde trabalhamos no ano passado um projeto para a recriação da Frente Parlamentar Mista para a defesa das CTS e estamos trabalhando para garantir às CTs o acesso às emendas parlamentares junto ao Congresso Nacional.

Outro trabalho importante do ano passado foi com o STF – Supremo Tribunal Federal, para impedir que as drogas fossem legalizadas. Conseguimos reunir vários grupos da sociedade civil na Marcha das Famílias, o que nos permitiu fazer uma grande pressão no STF para que as drogas não fossem legalizadas no país e isso garantiu uma expressiva vitória nessa luta.

Desta forma, fica claro que o que temos buscado fazer na SENAPRED é trazer para o debate e para as ações vários órgãos do governo e da República e trabalhar em conjunto pois só assim será possível trilhar um caminho de sucesso.

 

Para fechar a live, Paulo Martelli lembra a todos que morrem anualmente com drogas lícitas e ilícitas mais de 32.000 pessoas por dia, segundo a OMS – Organização Mundial de Saúde. Isto também é uma epidemia muito complexa e cabe a todos nós da sociedade civil dar-nos as mãos para conseguir isso.

 

Assista a live: https://www.youtube.com/watch?v=6mKXBc2bwc4 - Parte 1 (até o tempo de 48:00)

 

Live Dra. Maria de Fátima Padin

Dra. Maria de Fátima inicia falando da importância de trazer à público a integração da comunidade. Nos lembra que não sabemos da força que temos quando estamos unidos e cita o exemplo do “Mothers Against Drunk Diving”, movimento de mães dos EUA que conseguiram mudar as leis do país. Trazer temas do cotidiano que estão tão em evidência neste momento de epidemia são fundamentais e mostram que têm mais dedos apontados que mãos estendidas e daí a importância da empatia e da solidariedade com as famílias neste momento.

 

Pergunta 1: Temos ouvido falar que a violência doméstica tem aumentado durante o período de distanciamento social exigido pela epidemia de Coronavírus. Relacionamentos mal resolvidos, aumento do uso de substâncias químicas, principalmente o álcool... O quê, na sua opinião, está gerando este aumento da violência? Quanto o aumento do uso de álcool e outras drogas é determinante para a obtenção destes números? E o que se pode fazer para ajudar essas pessoas em confinamento?

Resposta: Eu gostaria, primeiramente, de dividir a questão da violência doméstica no que diz respeito ao adulto e à criança e adolescente. A UNICEF, em 2010, trouxe um dado importante que dizia que as denúncias de violência contra a criança e adolescente tinha uma curva acentuada no Brasil.

A violência tem uma variedade de formas e é influenciada por uma série de fatores, desde a característica da vítima, do agressor, do ambiente físico e cultural onde estão inseridos. Temos, por exemplo, um dado alarmante de violência sexual no Brasil, que são os casos de estupro. Em 2018, tivemos 66.000 ocorrências, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e as mulheres são as principais vítimas. Entre elas, 3 em cada 4 são crianças ou adolescentes. Então, estamos falando de uma população violentada sexualmente em estupros de uma faixa completamente vulnerável.

Apesar desse número de 66.000 ocorrências, o Ministério Público estima que menos de 10% das vítimas de violência sexual notificam a polícia, o que faz com este número alarmante que nos choca seja ainda subestimado sendo, na realidade, muito maior. O Ministério Público traz os dados de que a maioria dos agressores são conhecidos das vítimas e um grande número de estupros acontece em casa.

O LENAD – Levantamento Nacional de Álcool e Drogas -  de 2014, no bloco de violência doméstica traz que 2 em cada 10 brasileiros relatam ter sofrido algum tipo de violência doméstica e que, em 2 de cada 10 casos, o agressor estava sobre efeito de álcool.

Este é um dado importantíssimo, pois já é conhecida a associação de abuso de álcool e violência contra criança. O uso abusivo de álcool afeta a função física e cognitiva dos indivíduos, reduzindo o autocontrole, aumentando muito a chance do indivíduo agir violentamente. Então nós, bêbados, fazemos coisas que sóbrios não faríamos.

Os estudos mostram também outro dado importante que é a associação entre a exposição do abuso físico e psicológico na infância levando essas crianças ao uso de substâncias psicotrópicas na fase adulta. Então, o que temos: o agressor, sob efeito de álcool, agride a criança ou adolescente, que irá repetir o modelo, ficando vulnerável para o uso de substâncias.

Por isso o tema violência é muito complexo. Por exemplo, no caso das crianças e das medidas preventivas, o ECA – Estatuto da criança e Adolescente – impõe uma corresponsabilidade entre a família, a sociedade, a comunidade e o poder público: é nosso dever denunciar qualquer menção que possamos ter de uma criança ou um adolescente que possa estar sendo violentado.

O ECA é claro: na dúvida, denuncie!

E fica aqui um recado para todos os pais e todas as famílias: nós aprendemos pelo exemplo e não pelo oposto do exemplo: isto se chama transgeracionalidade. Os pais que bebem em casa são modelos: dizem que, comportamentalmente, beber em casa é uma coisa validada.

Fiquei muito chocada quando, agora nesta epidemia, vi uma propaganda de delivery só de bebidas que promete levar a bebida de sua preferência, por um preço legal e geladinha até a sua casa. Isso é um absurdo! Nós, enquanto cidadãos, temos que nos mobilizar contra esse tipo de invasão na nossa casa, de estímulo a levar a bebida para a nossa casa.

Falando em dados mais atuais, agora em março de 2020, foram decretadas em caráter de urgência 2.500 medidas preventivas em todo o estado, enquanto que no mês anterior foram 1.934 medidas protetivas, o que significa que com a pandemia houve um aumento de quase 30% nos casos de violência doméstica com o convívio maior das mulheres com seus maridos dentro das casas. E esse número ainda pode estar subnotificado, fazendo com que sejam ainda maiores.

As recomendações nesses casos é não estimular o consumo de álcool, não deixar a “cerveja geladinha” do marido na geladeira, valorizar cada momento de abstinência que tiver, não ficar trazendo coisas do passado para discussão, expressar ideias positivas para o parceiro e se, ainda assim acontecer a agressão, é preciso denunciar. A mulher não pode se calar, principalmente havendo esta violência doméstica.

 

Pergunta 2: Nessa época de distanciamento social, muitas pessoas acabam consumindo mais drogas, fazendo estoque das mesmas (já que não podem circular para repor o estoque) e até mesmo fazendo o consumo misto de drogas, o que pode até levar a combinações letais de substâncias. Quais cuidados precisamos ter com essas pessoas? Como lidar com um ente querido que se encontre nessa situação?

Resposta: Um ente doente adoece a família toda! A dependência química é uma doença crônica: não tem cura mas tem tratamento. Então, essa família precisa tomar atitudes comportamentais para que ela não fique refém dessa doença.

Algumas medidas devem ser: estabelecer que na casa é absolutamente proibido o uso de substâncias. “Prefiro que ele use em casa do que vá para lá” – isso é a maior autossabotagem que podemos fazer conosco. Nós criamos situações onde achamos que temos um falso controle. “É melhor ele aqui do que lá”Não é melhor! A sua casa não pode ter o significado de uso de substância. Ela não pode ser um bunker para uso. Por isso, uma regra clara deve se estabelecer.

Uma outra questão importante é JAMAIS conversar com um ente se ele estiver sob o uso de substâncias, por vários motivos. Mas, principalmente, porque nós sabemos que a droga modela a personalidade da pessoa. Então, quem está lá não é meu filho. É uma pessoa que está completamente inadequada, comportamental e cerebralmente. Estas famílias precisam ter quase que um protocolo: NÃO SE CONVERSA COM BÊBADO E NÃO SE CONVERSA COM DROGADO!

Nós precisamos buscar ajuda. “Uma andorinha só não faz verão”. Não podemos ter psicofobia. Precisamos procurar ajuda. Precisamos começar a nos ver no outro. É uma acolhida: eu consigo falar, sem crítica. É importante que a família tenha um suporte emocional. Nós podemos ter ajuda profissional.

Eu coordenei, com a Dra. Helena Sakiyama, a maior pesquisa já realizada no mundo, que é o impacto da dependência química no Brasil com mais de 3.000 famílias. E o que nos deixou muito impactadas, é que à medida que a família descobre o uso, ela demora em média 3 anos para procurar ajuda.

Pais, partam do princípio de que somos todos enganados. Quando a família descobre, pelo menos há 3 anos ele já está usando. Depois demoramos mais 3 anos para tomar providência. Quando perguntamos às famílias: “Porque você levou este tempo para procurar ajuda?”, eles respondem “porque eu achei que daria conta”. Nós não damos conta!

Se meu filho tem um problema qualquer, de uma pneumonia, uma tuberculose, eu procuro ajuda imediata! É preciso procurar ajuda. As famílias precisam se desprover dessa onipotência familiar.

As nossas orientações são: coloque limites, fale na hora certa, procure a ajuda que você puder no momento.

Existe uma crítica enorme que diz que as famílias querem ver seus filhos internados. Não é verdade! A coisa mais difícil para uma família é internar um filho! O que acontece: 3 anos, em média, sem saber que ele está usando, mais 3 anos para buscar ajuda, são 6 anos de uso. Quando essa família vai buscar ajuda, esse filho já está numa condição de deterioração. A alternativa, nesses casos, é a internação para desintoxicação, pois são 6 anos de uso. E isso é pior ainda quando eles começam a usar abaixo dos 21 e dos 18 anos. Existe agora aquela ideia de que a adolescência é a idade de experimentar. Este é um argumento tão inócuo! Nós precisamos proteger os nossos adolescentes. Abaixo de 21 anos o cérebro não está formado, todas as funções cognitivas estão em formação.

Imagine colocarmos alguma substância em algo em formação: nós vamos devastar esta formação. Nós sabemos, por exemplo, que toda parte do controle inibitório é prejudicada. Adolescente é impulsivo, faz as coisas inconsequentemente mesmo. Então, eu vou validar isso? Não! Nós temos que nos unir nesse propósito. Eu tenho que descobrir e imediatamente tomar atitude!

 

Pergunta 3: Outra situação que vemos com frequência nessa epidemia de Coronavírus é que o medo, a insegurança, a ansiedade e o estresse gerado por tudo o que temos visto, leva as pessoas, algumas vezes, ao uso (ou à intensificação do uso) de álcool, drogas e medicamentos como recurso para suportar o isolamento durante a epidemia. Como essa epidemia tem influenciado no psicológico das pessoas e o que fazer em relação ao aumento do uso de álcool, drogas e medicamentos na busca por alívio?

Resposta: Nós temos um agravante no Brasil, pois somos considerados um dos países com o maior índice de ansiedade, conforme já preconizou a Organização Mundial da Saúde. E, o que é a ansiedade? O que gera a ansiedade?

A pilastra da ansiedade é a insegurança. É não saber o que vai acontecer lá na frente. E estamos num momento onde as pessoas ansiosas tem “sopa no mel” para ficarem mais ansiosas. E é importante ter este autorreconhecimento. Precisamos tomar medidas protetivas e nos blindarmos para isso.

E como fazemos esta blindagem? Tem algumas coisas importantes: primeiro, é não pararmos se estivermos fazendo algum tratamento psiquiátrico. Depois, essas medidas de ação rápida como “eu tomo uma bebidinha, eu relaxo e meu estresse passa”, “a minha ansiedade fica legal com uma taça de vinho” é verdade: são efeitos temporários, fulgazes, mas com pouca efetividade. Nós temos que tomar medidas agora mais duradouras, principalmente agora nessa época de pandemia. Qual o risco de todo dia tomar um pouquinho para relaxar “já estou aqui em casa mesmo”, “eu tomo essa medicação, mas agora vou intensificar para dormir mais ou para dormir menos...”

O que vamos conseguir fazer com isso? Vamos conseguir aumentar conflitos familiares, poderemos ter um problema de abuso ou agravar dependências e vamos conseguir manter a inabilidade de lidar com situações difíceis.

Então, nós que somos da área da saúde mental, estamos preconizando para que passemos isso de uma forma um pouco mais sutil e abaixando o estresse?

Primeiro: não dá para ficar 24 horas ligados no COVID-19! Não vamos dar audiência. Vamos nos blindar disso! Precisamos fazer um detox de tanta informação. Escolha um horário do dia para se informar e uma fonte fidedigna e apartidária que possa dar dados consistentes, científicos, não interpretados, não recortados.

Segundo: vivemos reclamando que não temos tempo para fazer coisas para nós. Aproveite os cursos online, gratuitos: de culinária, de papel, de canto, etc. Invista nessas coisas que sempre você reclama que não tem tempo. É o momento de fazer com as crianças um bolo, por exemplo, só para você mesmo.

A meditação é uma estratégia terapêutica extremamente importante até como medida de prevenção até para recaídas e para estresse. Existem cursos online e gratuitos, muitas vezes. Vamos investir nessa questão. Vamos manter a rotina do café da manhã, do almoço e do jantar.

Se você trabalha em casa, “agora eu vou detonar” e fica o dia inteiro de pijama, deitado com o notebook no colo. Essas são medidas que atrapalham a saúde mental. Mas antes de mudar o contexto, nós temos que tomar medidas autoprotetivas: nós temos que nos proteger.

Ninguém muda ninguém. Nós precisamos mudar para conseguir mobilizar o outro. Se nós não mudarmos, não vamos mobilizar ninguém para mudar!

 

Assista a live:  https://www.youtube.com/watch?v=6mKXBc2bwc4 - Parte 1 (a partir do tempo de 48:30):

https://www.youtube.com/watch?v=jznPUigzzAA - Parte 2 (até tempo de 17:20)